Por Gazeta Digital
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14 de julho de 2025
Cerca de 54% dos reeducandos do sistema prisional de Mato Grosso são ligados a facções criminosas ou subordinadas a elas. O apontamento é da professora de Criminologia e Direito Penal da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Vladia Soares. Só nos presídios mato-grossenses existem mais de 14 mil pessoas cumprindo pena e, cerca de 7,4 mil, têm essa ligação. A estimativa é que dentro e fora do sistema prisional, considerando levantamento do Poder Judiciário, existam mais de 30 mil vinculados às organizações criminosas. Esses números refletem um panorama amplo, englobando detentos presos por envolvimento direto, familiares que atuam como apoio logístico ou financeiro e colaboradores da rede criminosa. Vladia enfatiza que é necessário cortar o comando das lideranças e enfraquecer o poder de recrutamento. Para ela, quanto mais chances de reinserção social, menos atrativo é o abraço da facção, em especial nos presídios, onde as vulnerabilidades e necessidades são acentuadas. Uma das medidas destacadas pela advogada é a separação efetiva entre presos faccionados e não faccionados. Separar internos por perfil criminal, não apenas por grau de periculosidade, evitar que presos recém-chegados ou de baixa periculosidade sejam colocados em alas dominadas por facções. Criação de unidades específicas para presos não vinculados a facções. Um exemplo prático seria criar alas neutras com proteção e programas especiais para quem não quer aderir a facções. A professora destaca ser essencial a proteção ativa para os que não aderem ou querem sair das organizações criminosas. Deve-se garantir segurança física e apoio legal a presos que não querem se envolver ou desejam sair de facções. Criar programas de delação e desligamento com sigilo e proteção real. Presos que abandonam facções sem proteção são alvos. O Estado precisa garantir segurança a eles. Para coibir que as facções continuem agindo de dentro dos presídios, Vladia defende o combate rigoroso ao uso de celulares e comunicação ilícita. É preciso implantar bloqueadores de sinal funcionais (e fiscalizar a manutenção deles). Uso de body scanners, revistas eletrônicas e inteligência penitenciária e monitoramento reforçado de visitas e advogados suspeitos de colaboração, completou. De dentro das grades, as ordens Juiz da Vara de Execuções Penais e coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo do Estado de Mato, Geraldo Fidelis destaca que, como é o conhecimento de todos, as lideranças das facções criminosas que operam em Mato Grosso estão dentro das grades. O problema é isolá-las, porque o grande Calcanhar de Aquiles é a comunicação. Também há inúmeras situações de entrada de celulares dentro das penitenciárias. Isso tem que ser debelado e tem diminuído. O magistrado cita como exemplo de sucesso o modelo adotado em Santiago, no Chile, que elimina qualquer tipo de sinal celular dentro dos presídios. Em Santiago, a penitenciária fica ao lado do Tribunal de Justiça. Os telefones do Tribunal de Justiça operam normalmente, enquanto os da penitenciária, que ficam a um muro de distância, ficam bloqueados totalmente. Ele reforça que a política de separação por facções em Mato Grosso também é importante, porque garante maior tranquilidade no trato da pessoa que está encarcerada. Existe necessidade de fazer esse isolamento e o Estado tem que buscar esses meios. Lideranças presas, mas com comunicação Coordenador do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) de Mato Grosso, promotor de Justiça Adriano Roberto Alves cita que, em Mato Grosso, mais de 90% das lideranças das facções estão presas. No entanto, existem muitas regalias que permitem a comunicação e ordens mesmo por trás das grades. Se você isola eles, 90% das lideranças estarão incapacitadas de passar ordens. A legislação de execução penal tinha que mudar nesse sentido, tornando mais rigoroso. Hoje o tratamento que dá-se a eles é cheio de privilégios. Pode receber visita íntima, tem banho de sol e é comum, nesses momentos, os líderes estarem juntos. Teria que isolar, inclusive de visita íntima, porque é uma forma de passar comando para o exterior e receber de celular. Esses privilégios propiciam que as facções continuem passando ordens para comandar o tráfico, disse. Adriano destaca a necessidade de um tratamento diferenciado para quem é faccionado e é líder. A outra forma de combate seria focando nos jovens. Nós temos a segunda população de jovens que não trabalha e nem estuda. São pessoas desocupadas, sem perspectiva de vida, sem instrução, sem formação e que são facilmente arregimentadas pelo lucro fácil, pela oferta de pertencer a essas facções violentas. Teria que ter um trabalho social desses jovens, salientou. Relação direta com o sistema prisional Delegado da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil, Frederico Murta comenta que o crime organizado e as facções criminosas, de uma maneira geral, sempre tiveram e continuam tendo uma relação direta com o sistema prisional. As duas principais facções criminosas do Brasil hoje, Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, por exemplo, foram criadas dentro do sistema prisional. E tem ainda dentro do sistema prisional uma importante base de funcionamento. Isso é algo histórico e dificilmente vai ser mudado, pode ser melhorado, mas isso vai continuar tendo reflexos diretos. O delegado enfatiza que o crime organizado vai estar sempre buscando se renovar. Ele vai estar sempre buscando alternativas para tornar os seus serviços, as suas atividades mais lucrativas. A melhor forma das facções executarem os serviços, conforme o delegado, é recrutando menores. Por quê? A legislação com relação aos menores é muito frágil. As leis são muito frouxas, o menor de idade não fica preso, ele não é condenado por crime, fica internado durante um tempo curto. Isso torna uma moeda muito interessante para o crime organizado e eles sempre se valendo das dificuldades sociais. Então, é por isso que a gente sempre fala que a segurança pública não é o problema em si. A segurança pública, a gente lida com reflexo de vários problemas sociais. A questão de educação, de saúde, saneamento básico, tudo isso desencadeia o problema que a gente sente na segurança pública. A polícia, ela faz um enfrentamento, ela lida com os reflexos de vários problemas sociais.