Após 25 anos, Mercosul e UE fecham maior parceria comercial do mundo
Num processo que durou um quarto de século e atravessou cinco presidentes brasileiros, o Mercosul e a União Europeia finalmente chegaram a um acordo para o estabelecimento da maior parceria comercial e de investimentos do mundo, envolvendo mais de 700 milhões de pessoas. O pacto, porém, terá enormes dificuldades para ser ratificado do lado europeu, diante do protecionismo da França, da resistência de Itália, Holanda e Polônia, e da fragilidade de alguns de seus principais cabos eleitorais, como a Alemanha.
O anúncio foi feito nesta sexta-feira, durante a cúpula do Mercosul, em Montevidéu.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, chamou o dia de "histórico". "Estamos enviando mensagem poderosa ao mundo. Democracias podem se apoiar mutuamente", disse.
"Não é só uma oportunidade econômica, é uma necessidade política", afirmou a europeia. "Os ventos sopram fortemente pelo protecionismo. Mas mandamos uma mensagem no sentido contrário", disse, numa mensagem velada ao presidente eleito dos EUA, Donald Trump.
Ciente das críticas que receberá de ecologistas europeus, ela ainda destacou como o acordo pode ser importante para ajudar a preservar a Amazônia e um "apoio" para o Acordo do Clima de Paris.
Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai, afirmou que o tratado "não é apenas um intercâmbio comercial" e admitiu que existem "diferentes ideologias" dentro do Mercosul. "Não há uma solução mágica para a prosperidade. É uma possibilidade", disse Lacalle Pou, que preside o bloco sul-americano de forma temporária.
O que o Brasil ganha e onde cede
Pelo pacto, o Brasil conseguiu eliminar tarifas para bens como etanol, açúcar e carnes no mercado europeu, ainda que tenha de respeitar uma cota modesta. Do lado europeu, o pacto permite um maior acesso ao Mercosul para seus bens industriais e automóveis - uma ambição da Alemanha - assim como itens específicos como o vinho e facilidades para investimentos.
Depois de uma dura negociação, o Brasil ainda conseguiu preservar áreas estratégias para seu projeto de reindustrialização, como no setor de remédios, saúde e a preservação de pequenas e médias empresas. No campo de licitações públicas, o acordo prevê uma certa proteção para a indústria nacional nesses segmentos sociais.
Uma das preocupações era a de que as compras públicas do SUS não fossem tomadas pelos europeus, abalando a balança comercial.
Resistência para ratificação
Para que o texto entre em vigor, porém, negociadores admitem que o processo pode levar meses ou até anos. A maior dificuldade é garantir uma maioria do Conselho da Europa, com seus 27 membros. Após essa etapa, o acordo ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu.
França, Holanda e Polônia já anunciaram que tentarão se opor e criar uma aliança com Itália e outros governos contrários ao que foi negociado pela Comissão Europeia. Mas Alemanha, Espanha, Portugal e os países escandinavos pressionarão por um pacto.
Para o presidente Emmanuel Macron, um acordo pode ampliar a insatisfação da opinião pública francesa e dar forças para a extrema direita, que se apresenta como a defensora dos agricultores. Os ecologistas também hesitam, enquanto a esquerda busca se legitimar diante de trabalhadores cada vez mais frustrados.
Negociadores do Mercosul, porém, acusam os governos europeus de manipularem o bloco sul-americano e apresentá-lo como um bode expiatório para problemas domésticos de falta de produtividade.
Von der Leyen, nesta sexta-feira, insistiu em defender o acordo aos europeus. Segundo ela, 60 mil empresas da UE seriam beneficiadas.
A presidente da Comissão ainda garantiu que está "consciente" de suas preocupações dos agricultores europeus. Mas insistiu que o pacto conta com "salvaguardas robustas".
O pacto, segundo ela, vai poupar 4 bilhões de euros para as empresas europeias. "Esse é um bom dia para o Mercosul, para a UE. É um bom dia. Toda uma geração trabalhou para isso", afirmou.
Acordo estratégico
Apesar dos contornos de proteção, o acordo é considerado como estratégico e um passo geopolítico fundamental. De um lado, ele garante a sobrevivência do Mercosul, que vive um ataque por parte de Javier Milei. O argentino quer a transformação das regras fundadoras do bloco para permitir que Buenos Aires possa fechar acordos comerciais com quem bem entender. Na prática, isso enfraqueceria o Mercosul.
Outro aspecto do pacto é o de enviar ao mundo uma mensagem de que sul-americanos e europeus se apresentam como contraposição ao nacionalismo protecionista de Donald Trump.
Para Europa, o acordo é ainda uma esperança de poder competir com a China na América do Sul, continente que hoje tem uma relação comercial maior com Pequim que com seus antigos colonizadores.









